Matéria com participação da STATO publicada na edição de março da Nova Cosmopolitan:
Em janeiro deste ano, entrou em vigor na França uma lei que dá aos funcionários o direito de se desconectarem totalmente do trabalho após o fim do expediente. Já que não temos nenhuma proibição desse tipo no Brasil, o que fazer se o chefe resolve mandar uma mensagem às 23 horas? Responder ou não responder? Eis a questão… RAFAELA POLO Basta você colocar a mala da academia no armário para ouvir um “ping” avisando sobre a chegada de uma nova mensagem. E sabe que não é um meme engraçado do grupo das amigas ou um recado fofinho do boy. “Pode avisar nosso cliente que ao meio-dia o projeto estará pronto?” ou “Preciso de algumas alterações naquela apresentação. Tem certeza sobre o valor do lucro?” podem ser algumas das conversas a surgir na sua tela bloqueada. E aí: você se atrasa para a aula de zumba e responde às demandas ou deixa para retomar o papo na hora do expediente? Difícil não se questionar se aquelas duas setinhas azuis e uma eventual ausência na sua resposta não podem atrapalhar sua reputação no escritório.
Na França, uma lei tenta colocar um fim a esses pedidos feitos após o expediente e nos fins de semana. Em julho de 2016, o país passou por uma reforma trabalhista e aprovou um grande pacote de novas leis, entre elas uma que cria o “direito de se desconectar”, que entrou em vigor em 1º de janeiro deste ano. Toda empresa com mais de 50 empregados tem que negociar o momento offline obrigatório de forma que ninguém saia prejudicado. Tal medida tem a intenção de acabar com o trabalho em horas não remuneradas. “Essa lei quer colocar um limite entre a vida profissional e a pessoal, o que é fundamental”, diz a coach Renata Bueno, de São José dos Campos (SP). A dúvida é como se garantirá que as regras serão cumpridas. Mas vamos combinar que só de existir a lei já é um grande avanço, né?
Como nó Brasil não existe esse tipo de regulamentação, às vezes você pode acabar em uma empresa onde os superiores têm o costume de mandar e-mails e mensagens com cobrança em horários em que você não deveria estar trabalhando – nem eles, sejamos justas. Como evitar a preocupação de não estar disponível quando a chefe precisa e não enlouquecer?
PÂNICO, CORRERIA E CONFUSÃO
Antes de se afogar em culpa e preocupação por ignorar o pedido para marcar uma reunião que recebeu às 22 horas, fica aqui aquele velho ditado: ninguém é obrigado. Sim, você não precisa responder à mensagem daquele boy lixo que não para de te incomodar nem a pergunta da sua chefe tarde da noite.
Para levar uma vida mais desconectada, o primeiro passo é saber identificar o que é importante e o que é urgente. É importante confirmar se os lucros que estão em um slide da apresentação estão certos, mas se a apresentação é para a semana seguinte não é urgente. “Emergências podem surgir. Tanto o chefe quanto o funcionário devem saber o que pode ser deixado para depois”, diz Marlyse Matheus, diretora executiva de desenvolvimento da Stato, consultoria de movimentação de talentos, de São Paulo. Respire fundo e, em vez de responder ao chefe, vá ver o meme que foi mandado no grupo das suas amigas, vai. Pode parecer clichê, mas a única maneira de driblar mensagens e e-mails apitando no seu celular durante a madrugada é com uma conversa. “Muitas pessoas não fazem esse alinhamento porque têm medo, mas é fundamental. Assim dá para entender quais são as expectativas do seu cargo”, diz Marlyse.
Quando suas entregas estão claras, fica mais fácil definir o que precisa receber sua atenção e quando dizer não. Sair do escritório só de corpo compromete sua qualidade de vida. Quem nunca descansa, uma hora para de funcionar completamente. “Você precisa dessa pausa para estar inteira no dia seguinte”, diz Renata.
Enquanto é fácil falar, difícil é conseguir lidar com o peso que fica quando a gente sabe que o chefe quer uma resposta e não vamos dar. “A culpa nos sujeita a nos enquadrarmos em um cenário onde não gostaríamos de estar”, diz Renata.
Quando o papo rola em um grupo de WhatsApp, então, pior ainda. Imagine que a aula de zumba acabou, você pega o celular e tem 67 mensagens. Toda a equipe já deu a sua opinião, a dúvida foi resolvida e você não passou nem perto de compartilhar o que pensa. Vai pegar mal? “Você pode usar esse cenário para voltar a conversar com seu chefe sobre o combinado de horários. ‘Vi que isso aconteceu ontem e fiquei preocupada se a minha falta de resposta poderia atrapalhar minha avaliação’. Desta forma, mostra que é proativa e assume suas responsabilidades”, diz Renata.
Essa culpa ainda impede que você tome a iniciativa de criar uma solução para esse problema de “constantes trabalhos fora de hora”. “Estabelecer limites ajuda a rotina a funcionar melhor. Pode ser que em algum momento uma pessoa do escritório precise de você fora do horário, mas se isso for acontecer é preciso que seja claro”, diz Marlyse. Outra maneira de contornar essa situação é pedir o aconselhamento do RH. Se essas demandas estão completamente fora do controle, essa parte da empresa pode ajudar e orientar seu gestor a criar um equilíbrio na maneira como ele se dirige à equipe. Mas antes disso vale uma conversa com seus pares: se outras pessoas do time também estão incomodadas então está na hora de fazer uma reclamação formal.
PACIÊNCIA, ACONTECE…
Como tudo na vida, nada pode ser levado tão a ferro e fogo. Sim, haverá dias em que as demandas serão maiores e a corporação vai precisar mais do seu tempo – principalmente se trabalha em uma empresa multinacional. “Ficar 100% offline é complexo em um cenário global”, diz Marlyse. O fuso horário, às vezes, vai exigir que você faça uma reunião por Skype fora do expediente e, em dias decisivos, que responda a questões por e-mail em um momento em que deveria estar descansando. “Necessidades pontuais e específicas vão ocorrer”, diz Renata. O que não pode é deixar a exceção virar regra.
Vale fazer também uma autoanálise e ver qual a sua participação nessa exposição excessiva ao trabalho. Quanto você dá abertura para que mensagens e e-mails apareçam na tela do seu celular em horários fora do seu expediente? Quanto você mesma faz isso com os seus superiores? Encontrar um equilíbrio entre profissional e pessoal é fundamental para viver plenamente nas duas áreas. Assim, a contagem regressiva para as férias vai rolar só porque não vê a hora de conhecer um destino novo, não porque está desesperada para deixar as exigências do escritório para trás. Ah, e nada de responder a e-mails durante as férias, ok?
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